le malheureux

Existe uma parte de mim que está presa. Se enclausurou entre fios de lãs embaraçados por um felino travesso. São braços, pernas, olhos, cabelo, boca, dedos e órgãos genitais amarrados de tal maneira que nem a respiração é possível. Há medo nos meus olhos e berros em meus ouvidos. O gosto do fel em minha boca é resultado de um “arriscamento” inconsequente de quem se arrisca, se rabisca, se risca dos preceitos normativos ditado por uma etiqueta de revista de gente burguesa. Há uma vontade insana de sentir tudo a flor da pele, outra vez. 
Acostumada com o espaço, minúsculo, daquele baú enferrujado, cruzo minhas pernas e me encaixo naquele quadrilátero profundo, me encaixo de tal maneira que me lembro de quão foi dolorido e apertado sentir o primeiro membro entre minhas pernas. Mesmo assim, como minha primeira vez, respiro fundo e me aperto, me aconchego naquele lugar, pois sei que passarei alguns dias ali, dias que formarão semanas, meses e anos. Dias formados por segundos, minutos, horas. Dias que me levarão à palidez de quem um dia já desmaiou de tédio, de normalidades, de coisas que todos gostam, que todos usam, que todos amam. 

Se adequar? À quem? Pra que? Por que?...
Gente que intriga, gente que dá medo. Sim, gente que fascina, gente que envolve, gente que lambuza a mente da gente com imagens sem precisar, se dar ao trabalho, de proferir qualquer palavra que me leve, nos leve, leve a todos a serem leves o bastante a ponto de desejar quadros obscenos, eróticos, despidos, nus de roupa, de pudor e de sanidade. Sim, este tipo de gente me faz entrar em baús como este. Sim, este tipo de gente faz eu me prender de novo em linhas de lãs, correntes grossas e rijas...Grosso e rijo, erótico, não?.... saio da linha, imagino bocas, lábios, saliva, dentes, respiração, pele, peles suadas, dentro, fora, em mim, olhos, olhos que se invadem, corpos que dançam... água na boca!
NÃO!
Esqueça das unhas que um dia arranharam suas costas, e de todos os dentes que mordiscaram sua pele. Esqueça da língua que corrompe com voracidade e te suga. Esqueça. Esqueça. ESQUEÇA.
Liberte-se dos desejos, evite as vontades, se tranque no Baú!


"Ela era só mais uma que escolheu o silêncio como companhia. O sussurro do vento, ou até o ranger da porta a incomodavam. A ausência de vozes, raramente, lhe fazia falta. Já estava acostumada com as paredes brancas, sem quadros. Não se permitia que qualquer melodia lhe corrompesse. Doou seu som, sua televisão, seu rádio, os sinos de vento. Doou sua poesia. Se despiu das palavras. Deixou de lado os sabores. Quebrou os espelhos e jogou no lixo. As janelas eram cobertas de cortinas brancas, branca como a parede, para que parecesse que não havia nenhum tipo de saída. Para que não pudesse ver o sol, o verde das árvores e nem, sequer, supor que houvesse cor, som, vontades e desejos."

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